domingo, 31 de janeiro de 2016

Batalha das tiaminas - as diferentes forma da vitamina B1 (PARTE II)

ATENÇÃO: o uso de suplementos deve ser orientado por um nutricionista. Fármacos de prescrição só devem ser usados sob recomendação médica. Esse artigo tem apenas fins informativos e não deve ser usado como conselho médico.


No meu último artigo, eu falei que a vitamina B1 é um micronutriente crucial para azeitar as máquinas que mantém a vida funcionando. Muitas enzimas - que são operárias biomoleculares responsáveis por acelerar as reações químicas - só funcionam se houver vitamina B1. 

Inclusive enzimas envolvidas na produção energética. Como energia é algo que nunca pode faltar ao cérebro, não é surpresa que a deficiência de B1 cause um estrago nesse órgão. Foi por causa disso que a sulbutiamina foi inventada. Só que o que logo foi revelado foi que os efeitos da sulbutiamina são bem mais intensos.

Por que a sulbutiamina é a irmã mais bonita da vitamina B1

Molécula da sulbutiamina
Primeiro: a própria absorção de tiamina (que se dá no intestino) é muito inferior a da sulbutiamina. Tomar megadoses de tiamina reduz a absorção dessa vitamina ainda mais. E, como eu já disse antes, é muito fácil perder a vitamina B1 pela urina - por ela ser solúvel em água.

Essa qualidade da tiamina tem ainda outra "desvantagem": ela não consegue cruzar muito bem as membranas das nossas células, que são gordurosas. Para que chegue dentro das células, a tiamina deve ser transportada por proteínas especiais. Isso é um processo lento. Aumentar a quantidade de tiamina pode ser inútil - porque os transportadores estarão saturados. É como ter vários ralos para escoar água. Se você aumentar a quantidade de água num reservatório, não irá acelerar o processo.

Com a sulbutiamina, é outra história. A molécula é especial - porque contém duas moléculas de vitamina B1 que estão conectadas. Quem faz a ponte entre essas moléculas são átomos de enxofre. Outros incrementos são a abertura do ciclo tiazol da molécula de tiamina e uma reação de esterificação.

Toda essa brincadeira química confere à sulbutiamina propriedades diferentes. Ao ser metabolizada, ela ainda é quebrada em moléculas de tiamina. Mas, graças à sua conformação química, é como uma tiamina de terno e gravata - e uma que tem incrível afinidade por gorduras. Isso garante que ela seja melhor absorvida no intestino. Ainda, a sulbutiamina cruza a barreira hematoencefálica com notável facilidade - atingindo o cérebro em seguida.
Ação seletiva no "filtro de informações" do cérebro
O sistema ativador reticular ascendente tem radiações para o córtex cerebral - e define quais são as informações que chegarão até lá. Essa comunicação regula o alerta e a vigília
Mais interessante é que, ao chegar ao cérebro, a sulbutiamina tem predileção por certas áreas (o que não ocorre com a tiamina). Pesquisadores já ficaram no encalço do caminho desse nootrópico e acompanharam, por histofluorescência, sua viagem pelo cérebro. A sulbutiamina se fixa preferencialmente em algumas regiões - entre elas o sistema ativador reticular ascendente - área do cérebro que é fundamental para a atenção seletiva.


Sabe quando você tenta estudar, mas até as manobras de uma mosca no ar consegue se tornar mais interessante? Ou então quando você atinge o hiperfoco e, finalmente, percebe que muitas horas já se passaram desde o início de uma sessão de estudo? Pois é, o sistema reticular tem a ver com isso. O nosso cérebro é bombardeado com uns 100 milhões de impulsos a todo segundo. São cores, sons, cheiros, informações táteis e o zigue zague da mosca. Quem filtra o que chegará à nossa parte mais lógica - o córtex pré-frontal - é justamente o sistema reticular.

Culpe seu sistema ativador reticular ascendente

O sistema reticular separa o joio do trigo: aquilo que é trivial no momento não deve ser enviado ao nosso córtex. Já as informações relevantes - de acordo com suas metas internas, motivação e interesses - são projetadas para a região de raciocínio e consciência. É como se o sistema reticular ordenasse "preste atenção nisso e mantenha o alerta!". Não à toa, isso também ajuda na vigília.

Tanto que, numa doença chamada astenia - que é um cansaço crônico - o nível de ativação do sistema reticular é baixo. Com isso, o córtex também é pouco estimulado - causando fadiga e baixa no alerta. Por estimular essa área (possivelmente, aumentando a acetilcolina), a sulbutiamina é especialmente eficaz na astenia - que é a sua indicação terapêutica no Brasil. A bula do antigo Arcalion ainda relata um dos ensaios clínicos:
Em estudantes, com fadiga psicossomática severa com interferência no desempenho universitário, especialmente em períodos cruciais de exames, a sulbutiamina melhorou a função cognitiva e resistência física, com redução dos níveis de ansiedade, sem registro de reações adversas como agitação ou dependência.
Efeitos nootrópicos e ergogênicos da sulbutiamina
Ah, sim, função cognitiva. A sulbutiamina também tem especial atração pelo hipocampo. Ela possui efeito neuroprotetor nessa área do cérebro, que está intimamente envolvida com a transformação da memória de curto prazo em longo prazo. Nessa mesma região do cérebro, já foi notado em ratos que a sulbutiamina aumenta a reciclagem de colina, direcionando-a para a fabricação de mais acetilcolina. O aumento é de 10% - e coincide com uma otimização do desempenho dos roedores em testes que aferiam a memória. Os ratos tiveram a memória de longo prazo favorecido.


Há muitos mecanismos apontados para a sulbutiamina. Um provável aprimoramento da transmissão noradrenérgica - ligada ao alerta - e maior sensibilidade à dopamina - envolvida com a motivação e funções executivas - são dois candidatos promissores para explicar suas ações, ao lado do incremento na transmissão colinérgica.

Talvez o efeito dopaminérgico seja um bom candidato para entender um estudo que mostrou que a sulbutiamina alivia a timidez e a ansiedade de pacientes depressivos em situações sociais. Esses pacientes ficaram mais abertos - com menor desinibição social e afetiva. A sulbutiamina também age no sistema límbico, área do cérebro entrelaçada com as emoções e comportamentos sociais.

O efeito estimulante da sulbutiamina - que não causa, em geral, tanta agitação e nervosismo quanto a cafeína - tornou-se conhecido mesmo no esporte. A sulbutiamina aparece na urina de alguns atletas em exames de doping.

A tiamina - que, como vimos, tem menos efeitos psicoativos que a sulbutiamina - já é conhecida por otimizar a performance atlética e a resistência, quando é usada em doses muito altas. Isso se dá por meio da redução da percepção da fadiga. Como a sulbutiamina tem um tropismo muito acentuado pelo cérebro, é possível especular que ela tenha efeitos ainda mais notáveis no desempenho físico que a tiamina.

E, para coroar, num pequeno estudo, a sulbutiamina resolveu os problemas de ereção de 80% dos voluntários. O efeito foi notado na dificuldade de ereção de origem psicogênica - em que fatores como ansiedade entram em campo.

Você pode conferir mais sobre o potencial nootrópico da sulbutiamina no meu livro digital Turbine Seu Cérebro, que contém um subcapítulo só sobre ela. Lá, eu detalho mais a respeito do seu mecanismo de ação e também conto mais sobre o que os estudos científicos revelam sobre seu uso.

No próximo artigo, você confere a respeito da benfotiamina.


TEXTO: Matheus Pereira
IMAGENS: Thauan Mendes


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5 comentários:

  1. Olá!
    Como posso conseguir a sulbutiamina no Brasil?
    Fui em farmácias convencionais e a apresentação comercial (Arcalion) não está mais sendo distribuído há um ano.
    Obrigado pela ajuda e parabéns pelo site.

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    Respostas
    1. Olá, anônimo. Sinto muito pelo longo tempo em respondê-lo.
      A sulbutiamina, na apresentação Arcalion, de fato está suspensa por tempo indeterminado. No entanto, a sulbutiamina, como princípio ativo, pode ser obtida em farmácias de manipulação, com receita médica.
      Espero que a resposta chegue a você.

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    2. Ola, comprei pelo Site da Droga Raia!!!
      02/09/2106 Hoje

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  2. Olá, parabéns pelo site. Muito esclarecedor.
    Gostaria de saber como se toma o stack Piracetam (1,6 g) + 3 g lecitina de soja (~ 600 mg de colina) + acetil l-carnitina (500 mg) + sulbutiamina (200 mg) ? É uma vez ao dia , de uma vez?
    Por exemplo: 2 comprimidos de nootropil + 3 comprimidos de Lecitina de soja + 1 comprimido de acelcar + 1 comprimido de sulbutiamina , em jejum, antes do café da manhã?

    Outra dúvida: com esse stack posso complementar com dois comprimidos de 5HTP (200 mg, cada, totalizando 400 Mg) para tomar antes de dormir?


    Obrigado

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  3. Cara, esses artigos estão muito bem escritos ein! Eu to aqui com uma puta dificuldade em focar em qualquer coisa séria e leio artigo atrás de artigo aqui, cheio de informação de primeira.
    Invejo verdadeiramente sua habilidade de transmissão de conteúdo. Você tem um longo caminho de sucesso pela frente.
    Parabéns e obrigado por esse blog que se presta como um verdadeira serviço público.
    Obs: Meu cérebro é melhor hoje graças a você, estou tomando sulbutiamina e bacopa monieri.

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