domingo, 31 de janeiro de 2016

Batalha das tiaminas - as diferentes forma da vitamina B1 (PARTE I)

ATENÇÃO: o uso de suplementos deve ser orientada por um nutricionista. Fármacos de prescrição só devem ser usados sob recomendação médica. Esse artigo tem apenas fins informativos e não deve ser usado como conselho médico.

Levei a benfotiamina, a tiamina e a sulbutiamina para o ringue


Se tem algo que volta e meia gera certa confusão nos fóruns e comunidades especializados em nootrópicos, é a tal da tiamina. Para quem não sabe, esse é o nome sofisticado que os cientistas dão para a vitamina B1. Até aqui, simples, não? Quase. A confusão é porque "tiamina" aparece em algumas outras palavras: principalmente sulbutiamina e benfotiamina. E então, dá tudo no mesmo? Elas são iguais?

Não. Elas podem até ser irmãs - mas certamente não são gêmeas. As diferenças são grandes. Mas antes de explorar a personalidade de cada uma das tiaminas, há uma questão mais importante que eu não poderia deixar passar. Em primeiro lugar: por que todo esse alvoroço com a vitamina B1? Quem se importa se você não consumir B1 suficiente?

Bom, o seu cérebro é o primeiro a chiar.

Por que seu cérebro não existe longe da vitamina B1

Molécula da tiamina
No meu último artigo, eu expliquei que a vitamina B1 (junto da colina e da B5) exercem um papel importante na hora de fabricar o neurotransmissor acetilcolina. E acetilcolina é um nome que aparece em muitos dos meus textos - isso é porque essa molécula desempenha papéis importantes na cognição: está envolvida na memória e na atenção, por exemplo. Mas, muito além de ajudar seu cérebro a criar mais acetilcolina, a vitamina B1 tem outras funções cruciais.

Vamos por partes: o seu cérebro ama energia. Só assim para manter o telefone sem fio que permite a comunicação entre os neurônios. Mas para conseguir essa energia, seus miolos precisa de comida - de preferência, glicose. E eles arrancam tal combustível do sangue. Não tem socialismo no corpo: o cérebro representa 2% do seu peso corporal, mas suga 20% da glicose entregue pelo líquido (os números são aproximados). Quando o cérebro consegue glicose, já dá para fazer energia, certo?

Quase. Você também precisará de vitaminas do complexo B e minerais para transformar os alimentos em energia. E a vitamina B1 é o óleo da engrenagem de um porção de enzimas - que são as proteínas que catalisam as reações energéticas no corpo. Tradução: sem a vitamina B1, o processo de construir energia fica travado, porque as enzimas não funcionam mais. Menos energia é, portanto, produzida. E lembra quem ama energia?

Seu cérebro sem vitamina B1
Encolhimento do cérebro - inclusive do lobo frontal - é encontrado em alcoólatras (esquerdo), comumente vítimas de deficiências severas de vitamina B1
Vou te ajudar a colocar em perspectiva o prestígio que seus neurônios sentem pela tal tiamina (ou vitamina B1, como queira). Parafraseando o Harrison's Principle of Internal Medicine:
A tiamina é um cofator de várias enzimas, como a transcetolase, piruvato-desidrogenase e a alfa-cetoglutarato-desidrogenase. A deficiência de tiamina produz redução difusa da utilização cerebral de glicose e resulta em lesão mitocondrial (...). A microscopia eletrônica mostra a desintegração das mitocôndrias, condensação da cromatina e inchaço de neurônios em degeneração (...) consistente com excitoxicidade.
Mesmo que você tenha pensado "cara, essa palavra existe mesmo?" diante desse texto denso, dá para ter a noção de que o quadro de uma deficiência de vitamina B1 não é bonito. O cérebro passa a queimar menos glicose, as suas mitocôndrias - as máquinas de fazer a energia que mantém a vida - desmontam e os neurônios apodrecem.

Como você está lendo um blog chamado Cérebro Turbinado, eu vou apostar que a imagem de neurônios necrosados não lhe apetece muito. Mas antes que você corra para se furar com injeções de vitamina B1, continue lendo.

Esse cenário que foi traçado acima é extremo e você provavelmente nunca irá experimentar sinais tão dramáticos de deficiência de tiamina. A menos que você beba uns 7 litros de álcool por dia ou resolva viajar pelos oceanos numa caravela medieval. Eu espero que não seja seu caso. Então, de quanta vitamina B1 você realmente precisa?

Brasileiros precisam de 0,3 mg de vitamina B1 a menos que os ianques
Tudo bem que quadros severos de carência de B1 são raros - mas acredita-se que as deficiências subclínicas sejam bem frequentes. São aquelas causadas em longo prazo, por uma alimentação pobre. Embora insuficiente para deflagrar uma emergência médica, a deficiência subclínica gera sintomas sutis e inespecíficos.

A lista é um coquetel anti-nootrópico e inclui fadiga, baixa qualidade de sono, irritabilidade (quem não ficaria irritado com pouco sono?), memória enferrujada e também problemas na concentração. Você provavelmente não quer nenhum desses. Então, quanta tiamina você precisa por dia?

Difícil dizer. O FDA (a Anvisa ianque) recomenda 1,5 mg de tiamina por dia. Mas, se você está no Brasil, só precisa de 1,2 mg. Ou pelo menos assim diz a nossa Agência. A tal "necessidade diária recomendada" parece o mesmo que tentar adivinhar o número do sapato de alguém que você nunca viu na vida.

Ou, mais provável ainda, essa necessidade pode ser "o mínimo de vitamina B1 que você precisa para não ter sintomas óbvios de deficiência". Há muitos fatores em jogo que podem aumentar suas necessidades de vitamina B1 - e não há uma dose exato para todo mundo.

As variáveis no teorema da B1
Café e açúcar: os dois aumentam as necessidades de vitamina B1
Exemplo: você pratica exercícios físicos? Primeiro, deixa eu lhe dar os meus parabéns - puxar ferro e correr são ambos saudáveis. Até seu cérebro ganha nisso - pois os exercícios ajudam a criar mais BDNF, uma molécula que é quase um "fertilizante cognitivo". O lado ruim da moeda é que os exercícios aumentam suas necessidades de vitamina B1 (e B2 e B6, também).

Ou então, que tal aquele cafezinho que você usa para ficar alerta? Excelente fonte de antioxidantes, mas ele é chamado de um "fator anti-tiamina". É um diurético - e consegue aumentar a excreção da vitamina B1. Uma visão mais detalhada da interação entre o café e os nutrientes pode ser conferida aqui, em inglês. Aliás, outro motivo para  se preocupar com sua ingestão de vitaminas B1 (e as do complexo B como um todo): elas são hidrossolúveis. Daí, são facilmente perdidas pela urina.

Mas voltando ao cafezinho. Você também coloca açúcar nele? Ou então você gosta de uma Coca-Cola para acompanhar o almoço? Não importa - se o seu lance é doce, lá vai outra forma de aumentar as chances de uma deficiência de vitamina B1: alto consumo de carboidratos refinados. Não apenas eles já são pobres em tiamina - mas também atacam por outro flanco: eles aumentam sua necessidade de B1, que é necessária para metabolizar as bombas açucaradas.

Tiamina é fundamental - e não benéfica
Não se assuste. Esse é o seu ciclo de Krebs. Se você deseja mantê-lo a funcionando (e, acredite em mim, você deseja!), então não esqueça dos micronutrientes - entre eles, a vitamina B1
Você já entendeu a ideia. A vitamina B1 está envolvida num zilhão de reações químicas no corpo - inclusive aquelas que envolvem a produção de energia. E é por isso que a tiamina é a menina dos olhos do seu sistema nervoso. Ela garante que as conversas entre os neurônios  - que gastam tremenda energia - se desenrolem harmoniosamente.

Importante notar que não há "benefícios" na ingestão de vitamina B1. Dizer isso dá a ideia de que ela seja um item acessório - quando, na verdade, é um ingrediente inegociável no metabolismo cerebral. Sem ela (ou com pouco dela), a coisa toda vai degringolar. A vitamina B1 é fundamental para você funcionar do jeito que a biologia acredita que você deva funcionar. Não é sobre melhora cognitiva, é sobre manutenção cognitiva. Essa diferença é importante para não confundir uma vitamina com um nootrópico.

Formulações com megadoses de tiamina vendidas comercialmente são indicadas para tratar deficiências severas.

Seus neurônios precisam de mais que uma única vitamina

Antes de seguirmos em frente: as vitaminas do complexo B funcionam como uma orquestra - em especial quando o assunto é transformar alimentos em energia. O mineral magnésio também toma parte nesse processo. Outros micronutrientes também são importantes. Então, para que esse concerto bioquímico seja perfeito, o corpo - o grande maestro - precisará de todos os seus integrantes.

Os acordes só vão estar em harmonia se você não tiver nenhuma deficiência nutricional. É mais fácil garantir isso focando numa alimentação variada (variedade é chave), com fontes preferencialmente "naturais" (ou o mais próximo que temos disso hoje em dia), do que perdendo todo seu tempo para ir ao encalço de uma única vitamina ou de um único mineral específico na sua dieta.

Sem mais delongas, vamos lá falar das fontes alimentares da vitamina B1 (mas, como sempre, tendo a ressalva do parágrafo acima em mente). Peixe, carne de porco, fígado de boi (não faça caretas), castanha-do-pará e cereais integrais como aveia, farinha de trigo (na forma de pão integral) e arroz integral são boas fontes da tiamina.


Era uma vez, no Japão, a sulbutiamina
Quando comer arroz demais se torna um problema para os japoneses
É justamente nos alimentos que mora o prelúdio do nascimento da sulbutiamina. A história desse nootrópico está estreitamente entrelaçada com a dieta oriental. Você deve conhecer o estereótipo que os orientais amam o arroz. É, essa paixão só aumentou com o processamento industrial que permitia transformar o arroz integral em arroz branco, lá no século XIX. O resultado disso foi um arroz mais macio e saboroso. E também menos nutritivo.

A vitamina B1 - e muitos outros nutrientes - se foram juntos com a película do arroz integral. O problema: muitos orientais eram muito dependentes do arroz branco. Isso era quase tudo o que eles comiam. Os dependentes do arroz branco tinham um destino certo: beribéri, uma doença causada pela deficiência de vitamina B1, em que o sistema nervoso é notadamente acometido. É, eu não havia dito que uma dieta variada é importante?

Os japoneses também concluíram isso - aprenderam a lição da pior maneira possível. Diante de uma epidemia de beribéri tomando conta da população, eles chegaram até mesmo a criar um Comitê de Pesquisa de Vitaminas B. No livro Turbine Seu Cérebro, eu conto mais detalhes da interessante história da sulbutiamina - inclusive as anedotas sobre a marinha japonesa, que sucumbia diante da falta da B1.

Fato é que o investimento japonês no estudo da vitamina B1 brindou o mundo com uma versão "melhorada" da tiamina - a sulbutiamiana, como você irá ver no próximo artigo.


TEXTO: Matheus Pereira
IMAGENS: Thauan Mendes

Conheça 16 nootrópicos a fundo




Vale a pena se aprofundar nos nootrópicos. 16 nootrópicos e 5 smart drugs são exploradas em detalhes no meu e-book, o Turbine Seu Cérebro, voltado não apenas para pré-vestibulandos e concurseiros, mas todos aqueles que valorizam o bom desempenho cognitivo. Os vários nutrientes que são fundamentais para o bom funcionamento do cérebro também são discutidos.

Além de lhe oferecer as minhas experiências pessoais com os nootrópicos, eu também mostro os vereditos da ciência sobre 16 nootrópicos: como eles atuam no cérebro e em que situações eles são úteis. Tudo isso numa linguagem muito agradável e de fácil entendimento.

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Um comentário:

  1. MARAVILHOSA SUAS INFORMAÇÕES E ESTOU COM ALGUNS LAPSOS E MEMORIA, CONFUSÃO MENTAL...ESSA SEMANA ME ESQUECI DE DAR UMA AULA QUE DOU HÁ UNS 5 NO DIRETO, NÃO ME LEMBRO DE CONVERSAS E DE COMBINADOS....ESTOU SEM CONCENTRAÇÃO....PRECISO DE TIAMINA COM CERTEZA...PARABENS PELO ARTIGO

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